Mas será que isso ainda existe no século XXI? Nenhum de nós precisa ser especialista em tecnologia para saber que a cada interação online, boa parte das nossas informações são armazenadas por sites ou aplicativos. Esses dados, depois de tratados, podem dar origem à construção de uma série de premissas ou até certezas sobre nossos hábitos de consumo, crenças, ideologia, filme favorito, histórico profissional, o livro que está lendo, o time de futebol, a comida favorita... Isso para ficar em informações que, de certa forma, podem ser consideradas pouco comprometedoras do ponto de vista social, cultural e intelectual.
\\r\\nPor outro lado, é virtualmente impossível imaginar o acesso que temos hoje a serviços dos mais variados, sem que haja algum tipo de coleta de dados. Sobretudo pelo fato de que a prestação só é possível caso algumas informações sejam fornecidas. Vejam, por exemplo, os aplicativos como o 99Taxis ou o Uber. Para que possamos contar com a praticidade e segurança oferecidas pelas suas plataformas, é fundamental que as empresas tenham acesso a alguns de nossos dados pessoais, financeiros e de localização. O mesmo vale para aplicativos de saúde, comércio eletrônico, redes sociais, viagens e até aplicativos de tempo. Sem informações que permitam a nossa identificação e um mínimo estudo sobre nossos hábitos, eles simplesmente não conseguem prestar o serviço proposto.
\\r\\nAchar um ponto de equilíbrio entre privacidade e acesso a informações é um dos maiores desafios de governos em todo o mundo. Atualmente, mais de 100 países possuem regulações consolidadas sobre o assunto. E o Brasil não é um deles. O que não quer dizer que o nosso governo não esteja engajado na discussão. Muito pelo contrário.
\\r\\nSalvo engano, os primeiros debates sobre a proteção dos dados pessoais datam de 2010, quando um ante-projeto de lei de autoria do Ministério da Justiça veio a público. Mas o tema da privacidade só foi mesmo ganhar amplitude por aqui depois que Julian Assange (fundador do Wikileaks) e Edward Snowden (ex-técnico da NSA que vazou informações sobre monitoramentos em massa feitos pelo órgão) resolveram se tornar mundialmente famosos. Desde então uma série de projetos legislativos e audiências públicas vem chamando atenção de empresas, organizações da sociedade civil, estudantes, jornalistas e autoridades de governo.
\\r\\nSem entrar em detalhes sobre cada um deles, gostaria apenas de registrar algumas mensagens que, a meu ver, determinarão se esse debate nos impulsionará para a era cognitiva, como sugeriu o primeiro post desta série, ou para um retrocesso “flintstoniano”.
\\r\\nA privacidade online é um direito do usuário e um dever do provedor de serviços. Neste contexto, o papel dos reguladores deve ser o de estender os benefícios da internet para ainda mais empresas e indivíduos, estabelecendo confiança nas tecnologias, garantindo a privacidade, a segurança dos dados, esclarecendo eventuais incertezas jurídicas e incentivando ainda mais a participação popular em um debate vital para o futuro do nosso país.